O Dom Quixote do século XX
Ele sorria como ninguém e falava mexendo as sobrancelhas. Expressivo e muito observador. Dizia que eu piscava como uma tartaruga. Pode parecer engraçado, mas ele gostava do jeito lento como eu piscava enquanto conversávamos. O que ele não percebia é que o meu jeito de piscar nada mais era do que um reflexo do meu estado de absorção. Eu ficava absorta no mundo das palavras do meu pai. Cada frase que saia de sua boca era um big bang. Uma descoberta. Um mundo novo.
Um dia ele chegava com um cd de um cantor e eu torcia o nariz. Um mês depois lá estava eu, como quem não quer nada, pedindo o cd do tal cantor.
Ele era vanguardista. Em tudo. Uma espécie de vidente. Sabia o que era bom, sabia o que eu ía gostar. Tínhamos muitos gostos em comum.
O jeito de pensar e de teimar.
De desconversar quando perdida a razão.
Apreciar pequenas coisas, fascinar-se diante das grandes.
Ele me apresentou as grandes coisas da vida e elas são mais simples do que eu pensava.
Era um homem calmo, pacifista, muito bom.
Ele fazia petit gateau como ninguém e era o mestre da comida árabe. Ele era disciplinado, eu não. E isso pra ele era uma grande virtude.
Ele gostava de ser diferente, de dizer que apreciava o amargo da rúcula enquanto todos disputavam a alcachofra e a mussarela de búfala. Ele achava o máximo chantily, qualquer coisa de chocolate e pão com manteiga.
Ele tinha uma paciência de Jó para tudo. Me ensinava matemática durante horas e se exauria tentando me fazer entender física. Eu desistia, ele não.
Ele tinha um jeito único de andar: passos largos porém calmos, a cabeça balançando, às vezes compenetrada em algo, outras, completamente distraída. Muito ZEN. Eu acho até que ele vivia em outro mundo, muito mais interessante do que esse.
No mundo de Quixote e Cervantes, ele passava horas mergulhado. Depois voltava para a realidade e nos contava de seus sonhos, de suas descobertas, de como o mundo dos livros era lindo. E ficava sentado horas na sala ouvindo música clássica, com um livro em uma mão e o cigarro na outra. E nós brigávamos para ele parar de fumar. E ele sempre dizia que ia parar.
Ele dirigia com uma mão só e ia pelas ruas congestionadas com seu ar sereno ouvindo Rachmaninoff, Pink Floyd, Tim Maia,The Who, Chopin.
E passava horas na Livraria Cultura. Adorava comprar cds, livros e dvds.
Adorava saber. Qualquer coisa. Tudo. O que ninguém sabe, o que todos deviam saber.
Sem nenhuma modéstia eu digo: meu pai era um gênio.
O amor que sinto por ele não caberia em horas de discurso, a falta que ele faz também não. E como minha mãe disse, não houve uma despedida porque ele viverá eternamente dentro de nossos corações.
Meu pai não foi embora, só mudou de endereço. E eu acrescento, ele ainda vive intensamente, de um amor que pulsa em cada um de nós e nos motiva cada dia mais a querer viver.
Faço das palavras de Leminski aquelas que meu pai diria se estivesse aqui agora: “Esta vida é uma viagem, pena eu estar só de passagem”.
Um dia ele chegava com um cd de um cantor e eu torcia o nariz. Um mês depois lá estava eu, como quem não quer nada, pedindo o cd do tal cantor.
Ele era vanguardista. Em tudo. Uma espécie de vidente. Sabia o que era bom, sabia o que eu ía gostar. Tínhamos muitos gostos em comum.
O jeito de pensar e de teimar.
De desconversar quando perdida a razão.
Apreciar pequenas coisas, fascinar-se diante das grandes.
Ele me apresentou as grandes coisas da vida e elas são mais simples do que eu pensava.
Era um homem calmo, pacifista, muito bom.
Ele fazia petit gateau como ninguém e era o mestre da comida árabe. Ele era disciplinado, eu não. E isso pra ele era uma grande virtude.
Ele gostava de ser diferente, de dizer que apreciava o amargo da rúcula enquanto todos disputavam a alcachofra e a mussarela de búfala. Ele achava o máximo chantily, qualquer coisa de chocolate e pão com manteiga.
Ele tinha uma paciência de Jó para tudo. Me ensinava matemática durante horas e se exauria tentando me fazer entender física. Eu desistia, ele não.
Ele tinha um jeito único de andar: passos largos porém calmos, a cabeça balançando, às vezes compenetrada em algo, outras, completamente distraída. Muito ZEN. Eu acho até que ele vivia em outro mundo, muito mais interessante do que esse.
No mundo de Quixote e Cervantes, ele passava horas mergulhado. Depois voltava para a realidade e nos contava de seus sonhos, de suas descobertas, de como o mundo dos livros era lindo. E ficava sentado horas na sala ouvindo música clássica, com um livro em uma mão e o cigarro na outra. E nós brigávamos para ele parar de fumar. E ele sempre dizia que ia parar.
Ele dirigia com uma mão só e ia pelas ruas congestionadas com seu ar sereno ouvindo Rachmaninoff, Pink Floyd, Tim Maia,The Who, Chopin.
E passava horas na Livraria Cultura. Adorava comprar cds, livros e dvds.
Adorava saber. Qualquer coisa. Tudo. O que ninguém sabe, o que todos deviam saber.
Sem nenhuma modéstia eu digo: meu pai era um gênio.
O amor que sinto por ele não caberia em horas de discurso, a falta que ele faz também não. E como minha mãe disse, não houve uma despedida porque ele viverá eternamente dentro de nossos corações.
Meu pai não foi embora, só mudou de endereço. E eu acrescento, ele ainda vive intensamente, de um amor que pulsa em cada um de nós e nos motiva cada dia mais a querer viver.
Faço das palavras de Leminski aquelas que meu pai diria se estivesse aqui agora: “Esta vida é uma viagem, pena eu estar só de passagem”.
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