Escrever pode ser esclarecedor para aqueles que fazem-no com frequência, com coragem e com dedicação. Escrever pode ser incrivelmente gratificante para aqueles que tem com a escrita uma relação de amor. Para mim, que raramente proporciono-me este momento- o da escrita-, escrever é uma experiência altamente frustrante. Fico muito tempo pensando sobre o que escrever, sobre como escrever, sobre quando escrever e como começar, continuar, terminar. Vou e volto mil vezes nas mesmas ideias, bloqueio-me sempre, ou quase sempre, nos mesmos pontos. Desenvolvi e continuo desenvolvendo, sem exatamente querer, um processo próprio e ingrato de auto-censura, que serve-me tão bem quanto as mais seguras algemas nos pulsos de um criminoso, finalmente preso.
Meus pensamentos são de tal forma desordenados que escrever passou a ser, de alguns anos para cá, uma tarefa quase impossível. O máximo que consigo escrever são palavras, ou nos dias de grande sorte ou inspiração maior, uma breve composição de palavras, que não chega a constituir uma frase. Sonho em um dia reconquistar a liberdade de expressão que eu por anos possui, desenhando, escrevendo, pintando, falando e que de maneira súbita, me privei. Venho há anos enganando-me, vendo nesse silêncio, nessa incompetência e total falta de habilidade discursiva, uma "fase", mas agora começo a pensar que essa história de fase não existe. Entro em sonhos, relações e delírios com tamanha intensidade que o melhor a se fazer seria escreve-los, relatá-los e transformá-los em histórias lúcidas e sintéticas, para quem sabe um dia conseguir entender o que exatamente anima minhas ideias. Mas fico numa posição pacífica, na qual vejo como grande virtude saber respeitar meu tempo. Mas que raio de tempo é esse que só me deixa cada vez mais infeliz? Para onde estou indo exatamente, com todo esse respeito?Desrespeitar-me talvez seja uma boa forma de libertar-me. Arrancar minhas algemas com os dentes, sentindo muita dor, o gosto do meu sangue, da angústia, da dureza dos anos passados, não registrados. Meus dentes são fortes. Minha mordida também. Como com voracidade e com a mesma voracidade bebo e beijo. Por que então não destruo esses elos enferrujados, já à mim incorporados, com essa mesma voracidade? Qual será o gosto das correntes que prendem-me a um passado o qual já deveria ter passado ? Terão elas um gosto passado? Ou de tão passado já não terão gosto?
Páro com esta pergunta, pensando que por hoje escrevi mais do que costumo aguentar e que talvez prosseguir possa por-me em risco. E de riscos quero distância, pois zelo pela integridade do meu ser e a força dos meus dentes, para poder em breve - e esfomeada -, mastigar cada pedacinho dessa minha fase, eliminando-a por completo, das minhas mãos.
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