Já revirei meu quarto, joguei os papéis pelo chão, abri as gavetas trancadas às chaves perdidas, abri à força a gaveta emperrada, tirei as traças de todas as caixas de documentos velhos, tirei a calça os bolsos a blusa o zíper o brinco e nada.
Absolutamente nada. Que me faça achar.
Tenho que procurar nos lugares mais inusitados, lá é onde geralmente encontra-se. Quem sabe na geladeira em cima da mesa dentro do armário ou da dispensa embaixo do tapete atrás da estante atrás dos vasos de flores mortas e tristes e brancas e despetaladas que eu nunca consegui me desfazer e que cultivo sem tocar e que vivem pelo meu olhar.
Quem sabe nos cartazes nas lojas nos olhares perdidos dos jantares. Dentro do ônibus nas pessoas de pé cansadas de caras amarradas ou sentadas de braços cruzados com sacolas no colo esperando chegar.
Ou na imensa rede que liga o mundo onde acho tudo e nada e me sinto parte do peito do outro do umbigo que devora os olhos piedosos cheios de lágrimas congeladas.
Todos nascem e envelhecem e morrem e não crescem e sonham e correm e sacodem e gritam e urram e choram e pedem.
Todos estão surdos e mudos e vivem andando de lá pra cá sem parar pra pensar porque pensar cansa e dói e desencanta e estanca e corrói tudo por dentro. A vida fica chata e tudo parece chato e todos parecem chatos insensatos ingratos e você não encontra nunca nada que te deixe todo feliz. Porque tudo está escondido e errado e mascarado e eu não consigo ver porque não tenho como. Perdi meus óculos escuros naquele beco que não tinha saída como todo beco de toda história de ladrões e cafetões de jovens putas inocentes.
Já olhei nos potes de bolachas mofadas e torradas velhas sem sal e sem graça nos estômagos vazios morrendo de fome de vida de nada. Já vasculhei nos álbuns nas cartas nos cacos nos bancos nas praças. Nas cordas nas notas nos sons das falas das favelas das filhas e das velas. Velhas cheias de colares sentadas no chão fazendo amores e curas e amarras e desamarras. As filas imensas de longa espera dão voltas e voltas e voltas e voltas e voltas e não encontram nunca aquilo tudo que esperaram tanto.
Já revirei meu quarto, joguei os papéis pelo chão, abri as gavetas trancadas às chaves perdidas e abri à força a gaveta emperrada e tirei as traças de todas as caixas de documentos velhos e tirei a calça os bolsos a blusa o zíper o brinco e nada.
Absolutamente nada. Que me faça te achar.

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