Bem-me-quer, Mal-me-quer.

Tenho sonhado todas as noites intensamente. Acordo completamente desnorteada. Ao abrir os olhos fico esperando o mundo dos sonhos no mundo real, mas ele não vem.
Já cheguei a ficar um dia inteiro na cama depois de ter acordado, inconformada com a placidez e a mesmice da vida. Os sonhos são conturbados, confusos, nonsense, coloridos e neles eu me encontro muitas vezes perdida.
Os rapazes passam por mim e perguntam se sou eu mesma que faço tudo aquilo ou se é minha imaginação que toma conta, mas eu nunca sei responder. Acho que minha imaginação nada mais é do que sou. Ela sou eu e dela faço os sonhos mais incríveis. Com ela eu chego à todos os lugares e à lugar nenhum.
Penso que essas pessoas não têm sonhos como eu e a maioria delas, coincidentemente, está nos meus sonhos. É como se eu roubasse-as dos próprios sonhos e quisesse-as ao meu lado, no meu sonho, do meu jeito- são as pessoas queridas.
A moça das tapiocas, é casada com o baleiro da rua de baixo, e os dois passam o dia trocando doces um com o outro. Vire e mexe namoram às escondidas, enquanto não chega a frequesia. O menino que joga bola no quintal tenta acertar o casal, o mais esperto aproveita o momento pra roubar umas balas ou a lata de leite condensado.
A menina que carrega a boneca pra cima e pra baixo chora quando vê que em cima da sua cama tem um sutiã- a mãe tem a infeliz mania de tentar mostrar que a filha não é mais criança dando presentes desse tipo, um dia colocou uma revista de fofocas no lugar da de quadrinhos e a filha odiou a troca.
O rapaz entra e sái pela portaria do prédio da frente ao mesmo horário todos os dias. No meu sonho ele entra com um terno verde e sai com um vermelho, um azul turquesa no lugar do amarelo e assim por diante. Os filhos ficam olhando pela janela até o pai entrar no carro parado na rua,só então começam a brigar.
Os irmãos brigam menos nos meus sonhos e fazem as pazes trocando as figurinhas mais raras.
Eu vejo e faço tudo sem participar de nada. Nos meus sonhos eu estou sempre em cima de uma árvore brincando de "bem-me-quer, mal-me-quer" com uma margarida. Cada pétala arrancada é um sonho acabado, uma por uma me enche e me esgota de esperanças e a última pétala solitária sempre é arrancada com muita pena e relutância. Faz parte da brincadeira despetalar a flor toda, tenho consciência disso. Só não consigo entender porque todas as vezes eu tenho que ficar sozinha. Da próxima vez vou deixar a última pétala mal-querida na flor, quem sabe assim consigo virar o jogo.

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