Ontem e hoje, Hoje e ontem.
Hoje tirei o dia para pensar. Pensar no que pensar. Pensar no porquê de existir. Pensar na grafia correta da terceira palavra da frase anterior. Pensar em como minha vida poderia ter tomado outro rumo nos meus últimos dez minutos de Pontal do Sul. Pensar em como eu não tive coragem para tal. Pensar em qual foi o fim de Ângela no fim do último livro que a Clarice Lispector escreveu em vida. Sim, posso dizer em
vida sem ser redundante, porque Machado mesmo escreveu como defunto-autor e/ou autor-defunto. Brás Cubas está aí como prova viva disso. Mas não era do Machado que eu queria falar. Era do meu dia. Já estava falando do meu dia que eu tirei para...
Tudo.
?
Nada.
?
...
Enfim, esse dia que eu tirei para tudo ou nada não mais é hoje. Esse dia que eu disse na primeira frase, que era hoje, na verdade foi ontem. Só que quando eu comecei a escrever daquele hoje que ainda era ontem, era um ontem no começo. Um ontem que ainda não tinha me feito fazer outras coisas senão pensar.
Pára aqui.
Mudam as sensações.
Depois de gastar minha energia pensando acabei esgotando minha energia no esforço de conter minhas lágrimas. Não sei bem porque, mas não consigo chorar. Cometi um erro grave. Totalmente notável. Não é necessária atenção para notá-lo.Sorte que não é irremediável. Paro novamente.
Mudo de direção.
Foi o oposto. Gastei minhas energias tentando chorar. Minha mãe diz que nem quando eu era bem pequenina eu chorava. Era raríssimo eu chorar, exceto em situações ligadas à comida. Desde pequena já faminta. Já tinha a Fome. A fome de viver. A fome de comer. A fome que me mantém viva. A fome que me faz viver. A fome que me alimenta. A fome que me contenta. A fome que me atormenta.
Só que de tanto falar em fome agora estou com fome. Mas não aquela fome de viver e sim a de comer. O que exatamente eu não sei. Talvez uma fruta. Talvez um pão. Talvez umas daquelas comidas geladas que sobraram de almoços de alguns dias atrás, mas que parecem ficar cada vez mais gostosas com o tempo.
Fome.
Paro de novo, levanto da cama, desligo o monitor do computador e vou até a geladeira, em busca da vida. Mas a vida veio até mim nas mãos de minha mãe, antes mesmo de eu sair do meu quarto, em forma de tostex de queijo. Vejo um segundo parto
prestes a acontecer. Divino. Divino o tostex que Ela faz. Batizo então o tostex feito por Ela de "O Divino Tostex". Parece até nome de filme. Eu nunca assistiria um filme com esse título. Imagine só ir até um cinema e comprar um ingresso em que está impresso o título "O Divino Tostex".
N-u-n-c-a.
Renasci.
Saciei minha fome de comida. Retorno então ao meu estado de caça pela vida. Sou caçadora faminta. Caçadora ambiciosa. Caçadora viril. Caçadora sagaz. Caçadora de sonhos. Olho para fora da minha janela. Vejo arranha céus. Queria ver estrelas. Mas o pôr-do-sol hoje foi lindo. Fiquei contente.
Deito-me na minha cama, aconchego-me debaixo do lençol semi-nua, ardendo em chamas. Faz um calor senegalense. Mesmo nunca tendo ido ao Senegal imagino que o sol de lá seja cruel. Desses que racham a terra e mancham a tez. Desses que fazem as pessoas quererem voltar aos primórdios e saírem nuas nas ruas. Eu não estou no Senegal, e tampouco encontro- me nos primórdios da humanidade, mas sinto-me como um Neandertal - desses que acordam, caçam, comem, se reproduzem e dormem. O que eu mais quero agora é dormir, já que eu tirei o dia para refletir.
O que eu mais quero agora é descansar, já que não tenho mais força para pensar. O que eu mais quero agora é dormir e sonhar. O que eu mais quero agora é não ter no que pensar pra quando eu acordar. O que eu mais quero ,definitivamente , é poder fechar os olhos e não pensar em como vai ser, quando eu acordar.
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