Porque Narciso acha feio o que é espelho

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Passei a noite em claro para fazer as coisas que não fiz durante o dia. Passei o dia à toa esperando a noite chegar para que então eu pudesse pensar em tudo aquilo que deveria ter feito e que não fiz.
Tenho trocado a noite pelo dia com a mesma freqüência com que troco de roupa: diariamente.
Às vezes fico dias e dias sem dormir mais do que quatro horas por noite – veja bem, não troco a noite inteira pelo dia, troco boa parte dela- e acabo ficando exausta ao longo da semana, física e mentalmente, sem entender porquê. No entanto, agora fica mais do que claro que achei o motivo e que posso então refletir sobre ele.
Refletir. Palavra bonita esta, não? Faz-me pensar em grandes filósofos, escritores, pensadores, poetas, psicanalistas, psicólogos e “metidos à”-como são ridículas essas pessoas que gabam- se por acharem que são capazes de entender tudo e todos e dar bons conselhos para estes (que fique claro que o conceito de bom é um tanto quanto relativo)- e faz-me pensar mais do que tudo, no espelho.
Sim, no espelho. Destes que as pessoas colocam na sala, no banheiro, no carro, na bolsa, na sala de jantar, no hall de entrada do prédio, no armário, na parede, na casa toda.
O espelho que reflete o objeto, o espelho que reflete o homem, o espelho que reflete os lábios a serem pintados, o espelho que reflete aquele que chega por trás, de surpresa, de soslaio, escondido. O espelho que reflete a imperfeição na face, o espelho que reflete os olhos, o espelho que reflete o eu.
O Eu?
Não, o meu eu não.
Olho-me diariamente no espelho, sem muito encanto ou admiração. Contemplo-me friamente como se eu fosse um estranho refletido no espelho e desta forma faço sobre a imagem que contemplo uma série de julgamentos.
Tem dias que a imagem que vejo é-me realmente estranha, não vejo no reflexo a minha pessoa. Há dias todavia, em que forço- me em acreditar que aquela ali não sou eu, mas outra pessoa. Engano-me em vão. Ou seja, há dias em que tento convencer à mim mesma de que aquela não sou eu, ou contudo, de que aquela definitivamente sou eu e somente eu.
Mas afinal, quem sou eu?
Quem é essa que vejo à minha frente ,que imita cada gesto que faço, cada expressão da minha face, cada movimento e que quando toco-a, sinto apenas uma superfície gelada?
Já cansei de me perguntar isso, já cansei de perguntar isso à ela e na falta de resposta de ambas as partes, optei por uma solução simples que aliviará meu eu de imediato.
Passarei essa noite em claro refletindo no que deveria ter feito hoje ao longo do dia. Dormirei algumas poucas horas para que quando eu acorde possa mirar-me no espelho e ver meus olhos inchados de sono. Acordarei amanhã cedo e a primeira coisa que farei será quebrar o maldito espelho.

Comentários

Unknown disse…
Lica! cara, vc já leu A Náusea, do Sartre? essa reflexão acerca da imagem no espelho, da frieza dda propria imagem, do nao se reconhecer diante desse reflexo, é mtoo parecido! que da hora! e gostei mto do final! te amo bjo
Anônimo disse…
Belo texto

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