Sobre sorrisos e o show do Otto.

"Aqui em São Paulo todo mundo é muito sério bicho..." - me disse o baiano de cara negra (não pintada). "Lá na Bahia, às seis da manhã o povo já tá todo sorrindo, não tem esse silêncio que tem aqui nos ônibus de São Paulo não. Um dia até me cantaram parabéns no ônibus, com bolo e tudo, acredita?".
Acredito sim meu nego, lá na Bahia a gente é diferente mesmo né? -disse isso com um sorriso no rosto e um olhar desmantelado.

Pois bem, é a partir desse diálogo que fiz meu dia de hoje, o qual descrevo aqui neste conto,mas dessa vez sem aumentar um ponto.

Hoje eu não quis sair de casa com a mesma cara lavada de sempre para ver pessoas estranhas com a mesma cara de sempre e ser vista com a mesma cara pálida de sempre.
Peguei o telefone e liguei para minha cara xará Lica com K. para saber como estavam as coisas por lá e de quebra chamei-a para tomar um café no Franz, ou um Franccino, que ela prefere. Fechado.
-15H30 no Franz da praça, ok?
-Estarei lá.

(15h00)

- K.,mudança de planos.
- Fala logo porque eu já tô no ponto de ônibus!
- Me encontra no Vão do MASP.
- Quê? Como assim?
- É, no vão do MASP, no mesmo horário.
- Tá, mas e o café?
- A gente toma em algum lugar por lá.
- Tá ...
- Até daqui a pouco.
- Até.

(15h30)

Cheguei no vão do MASP e lá estava minha xará com K. sentadinha no chão, conversando com um hippie. "-Olha só, ganhei um brinco!" -Lindo, lindo LiKa! A sua cara.- eu disse.
-Vamos então?
-Vamos.
Ela parou e olhou pra mim, um olhar meio torto, curioso.
- O que que você tá trazendo nessa maletinha aí?
- Calma, já te falo.
Olhou novamente, só que agora mais instigada. - Vai, diz logo o que tem aí!
Convidei-a à ir comigo até o FIESP e lá eu mostraria o que trazia na mala.

(16h30)

Uma hora depois fechávamos a mala no banheiro do FIESP, sem mais falar uma com a outra, de boca fechada.
A partir daquele instante não poderíamos mais falar, nem sorrir, nem rir, nem cantar. Só podíamos olhar.
Só olhar. Só olhar. Só olhar.

olhar.
Todas aquelas pessoas andando de lá pra cá e de cá pra lá, falando no celular, carregando maletas, pastas, comendo pastel, amarrando o cadarço, tropeçando no asfalto, andando sem parar.
De lá pra cá, de cá pra lá.
Homens de cara lavada, mulheres de cara pintada. Todos sérios andando na rua,indo e voltando do trabalho, ou indo pra casa, ou indo encontrar alguém, ou à procura de um bar para descansar, cada um em uma direção enquanto nós na contra mão.
Um homem de terno, uma moça de saia e salto alto. Dois homens de terno. Duas moças de saia e salto alto. Três homens de terno. Três moças de saia e salto alto e eu perdi as contas.

Ninguém se olhava, só nos olhavam. (Pobres moças que passaram a manhã se maquiando esperando encontrar pelo menos um olhar entre tantos outros pelos quais passariam despercebidas).
Nunca tantas pessoas desconhecidas me olharam tão descaradamente e tão fixamente. Até parecia que eu era famosa. Pessoas passavam e comentavam. Paravam e apontavam. Outras olhavam e viravam o olhar desconsertadas.
O que será que eu tinha meu Deus?????
Voltamos para o banheiro do SESI, abrimos a mala, lavamos o rosto e voltamos a falar.

- É, foi engraçado, disse minha xará com K. , agora sorrindo enquanto eu me descompunha.
- Foi mesmo. Principalmente a reação daquele sujeito que te empurrou longe e depois me empurrou também.
- Pois é, mas tantas outras pessoas riram e sorriram...
- Verdade,muita gente sorriu pra mim... uns garotos ficaram até embaraçados....
- Um senhor me concedeu seu paletó, acredita?
- E uma senhora me ofereceu ajuda para carregar a mala!

Pegamos a mala e saímos do banheiro. Fomos até a bilheteria e pegamos nossos ingressos. Todos sorriam e aplaudiam de pé, só que agora não para nós. Otto brilhava no palco, ria, sorria e rebolava. Tentou se apresentar, mas entendemos que para ele, formar uma frase completa talvez fosse uma das coisas mais difíceis.
Saímos de lá com o sorriso no rosto e a alma lavada.

-Lika, me explica o que aconteceu com as pessoas hoje?
-Ah Alice, com as pessoas eu não sei....
-E com a gente?
-Ué, saímos com a cara pintada!

Comentários

Anônimo disse…
ó minha querida, simplesmentes nascemos para sermos artistas.

esta é a nossa missão.

te amo, tem post lá sobre o mesmo assunto.

;)
Anônimo disse…
"e as pessoas na sala de jantar estão preocupadas em nascer e morrer"

isso explica tudo, tudo mesmo

beijo

Postagens mais visitadas